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APRENDA A CULTIVAR COGUMELOS: FABRICAÇÃO DA "SEMENTE" (spawn)

Para aqueles que pretendem ou já adquiriram nossas culturas líquidas, esse tópico do nosso tutorial é fundamental, e é a partir daqui que o cultivador irá iniciar seu cultivo de cogumelos. O termo "semente", utilizado pelos cultivadores de cogumelos no Brasil, é empregado de forma errada, tendo em vista que semente é uma estrutura pertencente ao reino vegetal e os cogumelos estão agrupados no reino fungi. Apesar disso o termo "semente" é amplamente utilizado, e para critério de aprendizagem irei me referir ao inóculo feito com grãos ora por "semente" ora por "spawn" (termo em inglês) para que você se acostume com a terminologia correta. 

O "spawn", ou "semente" é utilizado para inocular o substrato final, normalmente composto por palhas ou serragem suplementada. O propósito do "spawn" é aumentar a biomassa de fungo, antes presente como um pequeno aglomerado de células numa placa de petri ou cultura líquida, e expandir essa massa para vários quilos de fungo. Basicamente o "spawn" consiste em grãos de gramíneas, como por exemplo cevada, trigo, centeio, sorgo, aveia, arroz, milho, etc, mofados com o fungo que produz os cogumelos. Aqui no Brasil a maioria dos cultivadores utilizam o trigo, pois é de fácil acesso e o preço é relativamente baixo. Além disso o trigo é fácil de preparar, tem um tamanho correto e oferece bastante pontos de inoculação. Cada grão colonizado, quando misturado no substrato final, se torna um ponto pelo qual o fungo irá se desenvolver, colonizando por total o saco com composto em poucos dias. 

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Micélio colonizando o trigo

Tipos de grãos utilizados na fabricação da "semente"

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trigo        cevada      centeio          arroz              milho                  aveia              painço

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Arroz: Utilizado por poucos cultivadores pois é muito comum formar aglomerados difíceis de serem quebrados posteriormente durante a inoculação do substrato final, o que reduz os pontos de inoculação. Se optar pelo uso do arroz, prefira o com casca. Possui em média 40 grãos por grama, com uma média de 20% de umidade.

Painço: Apesar de ser um grão pequeno e formar muitos pontos de inoculação, é relativamente difícil de trabalhar com o painço, apesar de possível. Possui cerca de 166 grãos por grama, umidade média de 13%.

Sorgo: Grãos esféricos e relativamente bons para serem usados como "semente", porém não é tão fácil de encontrar no mercado. Tem em média 33 grãos por grama, com uma umidade média de 15%. 

Trigo, cevada, aveia e centeio: Funcionam perfeitamente para fabricação da "semente". Quando preparados corretamente não formam aglomerados, são fáceis de trabalhar e oferecem um resultado excelente na hora de semear o substrato final. Possuem de 34 a 50 grãos por grama, variando de 10 a 15% de umidade. 

Em uma única grama de grãos de cevada existem aproximadamente 50 a 100 mil células de bactérias, mais de 200 mil células de actinomicetos, 12 mil células de fungos e um grande número de leveduras. Para esterilizar uma grama de grãos devemos, basicamente, eliminar mais de 300 mil contaminações. Logo após a hidratação dos grãos, esses micro-organismos começam a se proliferar em uma velocidade astronômica. De todos esses micro-organismos presentes nos grãos, as bactérias são as mais velozes. Bactérias podem se dividir em média a cada 20 minutos em temperatura ambiente. Nessa taxa, uma única bactéria pode se multiplicar em mais de um milhão de células em menos de dez horas. Em mais dez horas, CADA UMA dessas um milhão de bactérias se divide em outro milhão de células. Se apenas uma pequena fração desses micro-organismos contaminantes sobreviver ao processo de esterilização, o resultado pode ser devastador, inviabilizando a "semente". Diferentes lotes de grãos possuem diferentes cargas de micro-organismos. Ao adquirir grãos para fabricação do "spawn" certifique-se de comprar um grão bonito, sem sujeira ou manchas de bolor, de preferência colhido recentemente e estocado em condições corretas. 

 

Uma vez esterilizado, presume-se que o grão está completamente livre de micro-organismos. Depois de esterilizar os grãos deve-se tomar cuidado com o ar. Nosso ar está cheio de micro-organismos em suspensão e esporos, nesse exato momento estamos respirando essas partículas. No ar de uma sala, por exemplo, encontramos cerca de 10 mil partículas por pé cúbico de ar, enquanto que num laboratório com filtro HEPA normalmente não passa de 100 partículas por pé cúbico de ar. Quando esterilizamos os grãos utilizamos vapor quente, e a medida que retiramos os frascos, potes ou sacos contendo grãos da panela ou da autoclave o ar é sugado para dentro dos recipientes enquanto a temperatura dos grãos cai. Por isso, após esterilizados, os recipientes contendo grãos devem ser levados até um local limpo ou devem permanecer na panela ou autoclave até que esfriem. 

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Ponto ideal de cozimento do trigo

A quantidade de água adicionada aos grãos é um fator importante quando se trata de contaminações. Água em excesso favorece o crescimento de bactérias, além de diminuir a velocidade do micélio do cogumelo e diminuir as trocas gasosas. Quando a hidratação dos grãos passa do ponto normalmente eles estouram, expondo o núcleo do grão e favorecendo o desenvolvimento de bactérias. Determinar o ponto correto de hidratação do grão não é uma tarefa difícil. Existe um teste muito simples de ser feito, basicamente consiste em pesar 100 gramas do grão desejado e aquecer em um forno a mais ou menos 120 graus Celsius por 3 horas.

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Após esse tempo basta pesar novamente os grãos, o peso perdido é o teor de água que o grão possui. Se ao final do processo o peso dos grãos caiu para 90 gramas, seu grão tem um teor de 10% de umidade. Tendo essa informação em mãos, basta ajustar a umidade adicionando água até a porcentagem desejada de umidade.

A umidade correta para o "spawn" é de aproximadamente 50 a 55%, e basicamente existem dois métodos para hidratar o grão:

Progressão do cozimento do milho

        - O primeiro consiste em mergulhar os grãos em água fervente em um caldeirão ou panela por um certo tempo até que se atinja o ponto correto de hidratação, depois escorrer os grãos em uma tela fina, peneira, escorredor de macarrão ou tecido. Os grãos, ao final do processo, devem estar totalmente secos por fora e úmidos por dentro. Quando mais espalhados tiverem os grãos, mais rápido eles irão esfriar e secar. Caso o volume de grãos seja muito grande, agite o recipiente onde eles estão escorrendo a cada 15 minutos para que sequem por igual e para que os grãos não cozinhem pelo calor. Após resfriarem e secarem por fora, os grãos são colocados dentro de potes de vidro, frascos ou sacos de polipropileno, normalmente com filtros feitos de manta acrílica ou algodão. 

        

       - No segundo método os grãos são colocados em um recipiente junto de uma certa quantidade de água quente por entre 12 e 24 horas. A quantidade de água inserida, nesse caso, é exatamente a necessária para que os grãos atinjam o teor de umidade correto depois de absorvida. Ao deixar os grãos mergulhados em água por várias horas, esporos de bactérias resistentes ao calor são germinados, o que torna a esterilização mais eficiente. No dia seguinte basta agitar o frasco para homogeneizar os grãos e seguir para a esterilização. 

Existem vantagens e desvantagens de ambos os métodos, e o cultivador deve testar ambos para definir qual é o melhor em cada caso. Em ambos os casos o cultivador deve adicionar gesso em pó na proporção de 2% do peso dos grãos, agitando bem para que espalhe por todos os grãos. O gesso fornece cálcio e enxofre, fundamental para vários processos metabólicos dos fungos, além de deixar os grãos mais soltinhos depois da esterilização. A medida que o recipiente contendo os grãos aumenta em volume, menos água é adicionada aos grãos.

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Enquanto que a porcentagem de umidade de um frasco pequeno com grãos deverá ter aproximadamente 55% de umidade, um recipiente contendo 2kg de grãos deverá ter aproximadamente 40% de umidade. Condições anaeróbicas são mais comuns em recipientes contendo grandes quantidades de grãos, fator esse responsável pela menor necessidade de umidade nesses pacotes e também maiores tempos de esterilização. Os cultivadores devem ajustar os teores de umidade e tempo de esterilização baseado em testes e observações. Um fator muito importante na hora de fabricar o próprio "spawn" é o filtro de ar do recipiente. Durante a colonização dos grãos o micélio precisa respirar, para isso é necessário que tenha um filtro de ar que irá impedir a entrada de contaminações mas deixar o CO2 sair. Existem alguns materiais que podem ser usados como filtro, como por exemplo manta acrílica (perlon) ou algodão hidrofóbico (que não absorve água). Alguns cultivadores usam como filtro uma camada dupla de fita micropore, vendida em farmácia. Ainda existe a possibilidade de se obter sacos plásticos resistentes ao calor que são fabricados para o cultivo de cogumelos. Eles já vem de fábrica com um filtro embutido no plástico e permite a troca de ar na proporção correta para o micélio em desenvolvimento. Uma maneira fácil de fazer um recipiente adequado para a fabricação da "semente" é usando potes de vidro de azeitona, palmito ou conservas em geral. Para colocar o filtro basta fazer um furo na tampa com uma chave de fenda ou furadeira, usando uma broca para metais.

Além de ser barata, usando a broca o acabamento fica melhor e é mais fácil de por o filtro. O filtro pode ser feito com uma camada dupla de micropore sobre um furo central, ou então basta fazer uma bola com um pedaço de manta acrílica e passar pelo furo, de modo que fique bem apertada. Depois disso é só cortar os excessos com uma tesoura em ambos os lados e seu pote estará pronto para o próximo passo. Veja ao lado uma sequência de fotos mostrando como fazer esse frasco com filtro de manta acrílica.

Como fazer um frasco com filtro

Existe ainda a possibilidade de fazer uma entrada que irá receber a agulha da cultura líquida, de forma a minimizar a chance de contaminação. Para isso basta fazer um furo com um prego na tampa do pote, entre o filtro e a borda da tampa, e aplicar uma gota de silicone térmico. O silicone térmico normalmente é vermelho, é vendido em loja de hidráulica e aguenta a temperatura da esterilização. Essa porta de entrada para a agulha feita com silicone se fecha automaticamente logo após a retirada da agulha, o que diminui a chance de contaminação. É possível adaptar a rolha de borracha de frascos de penicilina em tampas de conserva usando uma broca para metais de tamanho correspondente. ​

Como vocês podem ver nas imagens existem muitas formas de fazer potes adaptados para fabricar a "semente". O importante é ser um frasco bem vedado, com um filtro que não deixe passar contaminações. Os filtros ideais possuem porosidade de 0,2µ (microns). Eu utilizo atualmente potes importados da Itália que possuem uma tampa interna e uma tampa rosqueável. O filtro do pote é o mesmo filtro dos sacos de cultivo, basta cortar na mesma circunferência do pote e encaixar. A própria rosca da tampa veda o frasco.

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Saco de cultivo com filtro

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Adaptação com o filtro do saco

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Filtro feito de micropore

Depois de preparar os grãos e os recipientes, basta colocar os grãos nos potes, tomando cuidado para não encher mais do que 2/3 do volume. Esse espaço vazio é importante para que haja uma troca de ar eficiente e para conseguir agitar o micélio quando chegar na hora certa. Após colocar os grãos devemos cobrir a tampa do pote com um pedaço duplo de papel alumínio (retângulo dobrado ao meio formando um quadrado), para que a água que condensa dentro da panela não entre no seu pote através do filtro de ar. Ao colocar o papel alumínio por cima da tampa do pote é importante apertar bem o papel contra a tampa para que ele se ajuste e fique bem rente. Feito isso, a próxima

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etapa é a esterilização. Os grãos podem ficar hidratados sem esterilizar por no máximo 24 horas em temperatura ambiente. Caso o clima esteja muito quente, o ideal é usar o trigo o mais rápido possível. ​Até essa parte do processo o material usado não requer nenhum tipo de limpeza ou tratamento especial, penas preparamos o recipiente que irá receber os grãos, colocamos filtro, hidratamos os grãos, colocamos nos potes e cobrimos a tampa com papel alumínio. Veja o nosso passo-a-passo a seguir. Coloque o mouse sobre a imagem para ler a descrição:

A partir do momento que o material é esterilizado temos que ter consciência de que qualquer erro pode contaminá-lo. Os podes podem ser esterilizados em panelas de pressão ou autoclave. Sobre o tempo de esterilização, varia conforme a quantidade de material colocado e também a disposição dele dentro da panela. Potes de azeitona, maionese, palmito, volumes pequenos de grãos devem ser esterilizados na panela de pressão por um tempo que varia entre 60 e 90 minutos. Volumes maiores de grãos precisam de um tempo maior para atingir a esterilização (até 4 horas). O tempo também pode variar de acordo com  a época da colheita, uma vez que a população de micro-organismos presentes naturalmente nos grãos tendem a aumentar com o passar do tempo. Para mais detalhes a respeito da esterilização favor verificar o tópico noções de esterilização.

Após a esterilização e o resfriamento os potes estarão prontos para receber os esporos, pedaços de meio e cultivo colonizados ou  a cultura líquida, o jeito mais fácil e prático. Para inocular os potes com a cultura líquida é necessário que a inoculação aconteça num lugar livre de contaminações. Normalmente em um laboratório esse procedimento é realizado em uma capela de fluxo laminar, onde o ar é filtrado com filtros HEPA (High Efficiency Particulate Arrestance). O ar filtrado é livre de contaminações que podem estragar o cultivo. Em casa é possível criar um local livre de contaminações usando uma "glovebox". A "glovebox" consiste em uma caixa organizadora transparente que irá receber todo o material esterilizado. Nela existe 2 buracos pelos quais você irá colocar suas mãos usando luvas, e a manipulação dos objetos estéreis se torna mais limpa. Depois de colocar os objetos estéreis dentro da caixa, junto com a cultura líquida e todo o material que será usado no processo, devemos borrifar álcool 70 usando um spray (que ficará dentro da caixa) em toda a parte interna da caixa, bem como os potes e materiais de dentro dela. Só depois disso será possível trabalhar com esse material. A seguir é possível ver como construir uma "glovebox" utilizando materiais facilmente encontrados. Existem diversos modelos e maneiras e construir uma "glovebox",  pesquise no Google para saber qual modelo é mais adequado às suas necessidades. 

Como construir uma "glovebox"

Existe a possibilidade de inocular frascos próximo a uma chama, como a de uma vela, fogão ou de um bico de Bunsen. A região próxima a chama é livre de contaminações pois cria-se uma corrente de ar ascendente, impedindo que esporos caiam no material. É um procedimento delicado e todo o cuidado é pouco. É muito comum cultivadores de cogumelos se cortarem ou se queimarem durante algumas partes dos processos envolvendo cogumelos. Tome muito cuidado sempre.

A panela de pressão só pode ser aberta em um local limpo e sem correntes de ar. Caso você não tenha uma sala própria para isso, sugiro fazer uma boa limpeza na cozinha, passando cloro no chão e nos azulejos usando um pano limpo. Guarde tudo que não for necessário estar na cozinha, quanto menos objetos desnecessários melhor. Cuidado com o cloro e com materiais de limpeza em geral pois alguns liberam gases nocivos para a saúde. Após essa limpeza mais bruta do chão e paredes com cloro, pegue outro pano e umedeça com álcool 70 e limpe todas as superfícies que você irá utilizar. Feche as janelas e portas da cozinha, tome um banho, coloque luva e máscara simples no rosto. Passe álcool 70 no papel toalha, limpe a superfície da panela e retire a tampa. Com cuidado e com luva limpa com ácool 70, retire os potes de dentro da panela e coloque dentro da "glovebox", em seguida feche a caixa. 

 

Para usar a "glovebox" é necessário prepará-la. Toda vez que ela for aberta, antes de começar a mexer no material estéril, é necessário fazer esse procedimento. Um item fundamental que devemos ter dentro da glovebox é um par de folhas de papel toalha e um spray com álcool 70. Após colocarmos todo o material dentro da "glovebox", como potes esterilizados, cultura líquida ou qualquer coisa que você pretende trabalhar, devemos borrifar álcool 70 nas paredes, teto e fundo da caixa organizadora. Todos os itens dentro da caixa devem ser borrifados com álcool 70, depois o excesso deve ser retirado com o papel toalha. Sua luva também deve receber álcool 70, e só então podemos começar a trabalhar com o material estéril. Existem técnicas para utilizar a "glovebox" que minimizam as chances de contaminação. Fazer movimentos suaves ajuda a não suspender esporos que caíram no fundo da caixa pela ação da gravidade. Evitar tocar dentro da tampa do potes estéreis também é fundamental, além disso quanto menos tempo os potes ficarem abertos melhor. A agulha também não deve tocar em nenhum objeto que não foi limpo. Com cuidado abra a tampa dos potes, sem tocar a parte interna da tampa. Enquanto uma mão segura a tampa, inclinando a mesma de ladinho, a outra injeta a cultura líquida, esporos ou pedaço de meio de cultivo dentro do frasco. Não é necessário remover a tampa toda, basta uma inclinação suficiente pra conseguir passar a agulha. Cuidado para não encostar a agulha da seringa em algo sujo. Caso a agulha toque algum objeto, flambe ela usando um isqueiro, vela ou algo do tipo. Lembrando que ao retirar objetos da "glovebox" é necessário prepará-la novamente, limpando com álcool em tudo a cada abertura. Antes de usar a cultura líquida, agite bem para espalhar o micélio por dentro do líquido. Depois de injetar a cultura, feche a tampa e rosqueie o frasco. Ao final do processo, depois que você inocular todos os frascos, abra a "glovebox" e com a ajuda de uma fita isolante, veda rosca ou filme PVC, cubra a parte lateral da tampa, na intersecção entre a tampa e o frasco, para que nada consiga entrar dentro do pote. A seguir os frascos devem ser incubados, processo que é descrito no final desse tópico.

DICA DAS AULAS DE QUÍMICA!

Álcool 70 normalmente é encontrado em farmácias, lojas de material hospitalar ou lojas de produto de limpeza. Caso você só encontre álcool com uma concentração maior, como o 92,8 por exemplo, basta diluir em água limpa seguindo a fórmula Ci x Vi = Cf x Vf (concentração inicial vezes volume inicial = concentração final vezes volume final). No caso, 92,8 é nossa concentração inicial, o volume inicial é 1000 ml (uma garrafinha de 1 litro), a concentração final é 70 e o volume final desconhecemos. 92,8 x 1000 = 70 x Vf. O volume final da solução é de 1325 ml, ou seja, mil ml de álcool 92,8 + 325 ml de água.

Passo a passo para usar a "glovebox": EM BREVE

Sempre que for utilizar a "glovebox" é necessário repetir os procedimentos de limpeza descritos acima. É possível realizar qualquer procedimento usando uma "glovebox", desde clonagem de cogumelos, inoculação de "semente", inoculação de substrato, manipulação de meios de cultivo, placas de petri e muito mais. 

O segredo do sucesso utilizando uma "glovebox" está na técnica. Com o tempo o cultivador percebe qual é o jeito correto de manipular os objetos de forma a minimizar os riscos de contaminação. Uma dica boa é usar uma plataforma, como uma grade por exemplo, para elevar os objetos acima do fundo da "glovebox" para que fiquem longe dos esporos que caíram no fundo dela pela ação da gravidade. Outra dica importante é nunca tocar, nem com as luvas limpas, no interior das tampas de potes ou de placas de petri, atente-se para pegar sempre pelas laterais. Abra o mínimo possível a tampa do frasco para inocular, se possível faça uma porta de injeção feita de silicone térmico, como ensinei acima. Acho que a dica mais importante é jamais passar nenhum objeto por cima de um frasco aberto. Enquanto estiver aberto não passe suas mãos ou qualquer outro objeto por cima do frasco, abra o mínimo possível para injetar o inóculo lá dentro e feche. Seguindo essas dicas e treinando bastante você conseguirá usar a "glovebox" com uma taxa de contaminações bem baixas.

Fabricação de "semente" usando grãos colonizados-Transferência G2G (grão para grão)

Depois que você já tem um frasco de grãos 100% colonizados, é possível usá-los para inocular outros frascos com grãos recém esterilizados. Essa técnica é chamada G2G, do inglês "grain to grain", e é um excelente recurso para aumentar a quantidade de "semente" num período curto de tempo. 

O frasco inicial de grãos colonizados que foi inoculado diretamente com uma cultura líquida ou pedaço de meio de cultivo colonizado é chamado de matriz primária, ou M1, e pode ser utilizado para inocular um volume 10, 100, até mil vezes maior que a inicial. A matriz primária pode ser usada para inocular outros 10 ou mais frascos contendo grãos esterilizados, dando origem a matriz secundária M2, que pode ser usada para gerar a matriz terciária, ou M3. Matrizes devem ser usadas em transferências G2G assim que estão colonizadas, pois senão o micélio se torna muito rígido, o que dificulta na hora de usá-lo para inocular outros frascos. Para que não haja nenhuma contaminação durante as transferências, o cultivador deve

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10 frascos M1 podem colonizar 100 frascos M2 que podem colonizar 1000 frascos M3

garantir a pureza no micélio. Casa exista alguma contaminação na matriz primária, todos os outros frascos inoculados com essa matriz contaminarão. Bolores são contaminações comuns durante a fabricação da "semente", e podem produzir esporos muito rapidamente, espalhando a contaminação por todo o frasco. O micélio dos fungos que produzem cogumelos, no entanto, crescem de forma mais linear através da extensão e divisão das suas células. Um único grão contaminado com Penicillium, rodeado por milhares de grãos colonizados com micélio saudável, pode arruinar um cultivo. Além disso qualquer contaminação nessa etapa deve ser descartada. Seguir adiante com uma "semente" ruim pode te fazer perder tempo, espaço e dinheiro.

 

Passo a passo para fazer uma transferência G2G:

1. Inspecione cuidadosamente o frasco colonizado em busca de sinais de contaminação. Procure por anormalidades como setores com crescimento denso, regiões com crescimento ralo ou sem crescimento algum de micélio, grãos com aparência de muito úmidos ou melados (um indicador de bactérias), grãos estourados com margens pálidas, colorações incomuns nos grãos dentre outros sinais. O micélio dos cogumelos pode exibir líquidos e colorações que variam de transparente, amarelado, rosado e âmbar, sem necessariamente significar contaminações. O micélio dos cogumelos produzem líquidos compostos por enzimas que fazem parte da sua digestão, além de subprodutos do seu metabolismo. Conforme o micélio vai envelhecendo esses líquidos tendem a ser mais presentes. Excesso de líquidos durante essa etapa podem indicar que a incubação está ocorrendo em uma temperatura acima da ideal ou que não está ocorrendo troca gasosa suficiente. Pequenas quantidades de líquidos são normais, porém quando o líquido está presente em excesso o micélio pode ser prejudicado. Imagens de contaminações durante essa etapa podem ser vistas no tópico "contaminações e pragas".

 

2. Após selecionar um frasco bonito, sem sinais de contaminação, quebre o micélio agitando fortemente o frasco. Os grãos devem soltar facilmente, mas caso os grãos tenham cozinhado além do ponto durante o cozimento, ou se o micélio colonizou demais os grãos, será necessário bater o frasco contra a mão ou contra um pneu de bicicleta, evitando assim um acidente. Quanto mais separado os grãos, mais fácil de transferir para outros frascos. 

 

3. Coloque os frascos com grãos esterilizados dentro da "glovebox" junto com a matriz colonizada. Feche a "glovebox" e siga os passos descritos anteriormente para inoculações usando uma "glovebox". Lembre-se de borrifar álcool 70 em todos os frascos. Após a limpeza, retire a tampa de papel alumínio de todos os frascos recém esterilizados e frios, afrouxe a tampa de todos sem retirá-las, incluindo a tampa do frasco matriz. Com a sua mão preferida segure o frasco com a matriz, com a outra mão retire a tampa e coloque no fundo da "glovebox". Com a mão que você usou para retirar a tampa da matriz, retire a trampa do primeiro frasco com grãos esterilizados e derrube um pouco de grãos da matriz para o frasco novo, e rapidamente feche o frasco novo. Repita o procedimento para todos os frascos. Ao final, aperte bem a tampa dos frascos recém inoculados e em seguida já pode retirá-los da "glovebox". Após a retirada vede as laterais da tampa usando fita isolante, veda rosca ou filme PVC. 

Incubação da "semente"

Após inoculada, a "semente" precisa ser incubada. A incubação é um processo muito importante do cultivo de cogumelo, e basicamente consiste em fornecer condições ideias para o micélio colonizar o substrato no qual ele se encontra. A incubação é a etapa seguinte a inoculação, seja ela via cultura líquida, via G2G ou via esporos. Luz e umidade não são tão importantes nessa etapa, uma vez que os frascos são selados e mantém a umidade dentro deles. A temperatura é um fator fundamental nessa parte, e deve se manter constante numa faixa entre 20 e 25'C (varia conforme a espécie cultivada). Manter os frascos muito perto uns dos outros faz com que a temperatura se eleve, o que pode ser ruim em uma incubadora muito pequena. É preciso tomar cuidado com a compactação dos frascos no local de incubação, pois o fungo gera calor, o que pode elevar demais a temperatura. Algumas contaminações termofílicas só aparecem quando as temperaturas se elevam, por isso todo cuidado é pouco. Cheque os parâmetros de cultivo de cada espécie descritos na aba "culturas", clicando na foto do cogumelo desejado. É possível verificar os parâmetros de cultivo para cada espécie que comercializamos para saber qual temperatura é a ideal. 

Durante a incubação, cheque os frascos diariamente tomando cuidado para não perturbar o crescimento do fungo, evitando balançar o frasco para não romper as hifas que estão crescendo a todo vapor. Essa verificação diária permite acompanhar o desenvolvimento do micélio e o possível surgimento de contaminações. Ao menor sinal de contaminação, descarte o conteúdo do frasco, abrindo-o bem longe do eu local de trabalho. Após o descarte, lave o frasco com bucha e detergente antes de utilizá-lo novamente. Tenha cuidado ao descartar materiais contaminados, uma vez que alguns fungos e bactérias que podem vir a crescer nos grãos podem ser prejudiciais a saúde humana e animal. Cultivadores inexperientes jamais devem abrir frascos contaminados para descarte próximo ao rosto, sempre use luvas e evite entrar em contato com o material contaminado. É comum cultivadores cheirarem frascos para saber se estão contaminados com bactérias, algo que eu não recomendo. As contaminações mais comuns nessa etapa são causadas pelos mofos Penicillium e Aspergillus, e por bactérias que deixam o grão melado e fedido. Descarte qualquer material que tenha cheiro de azedo, chulé ou fruta podre. Normalmente o cheiro fica bem evidente sem a necessidade de abrir o frasco. 

A incubadora pode ser feita de diversas formas, desde caixas de papelão, isopor, frigobar, geladeiras desativadas até salas enormes. A temperatura deve ser mantida constante com o uso de termostatos, o aquecimento pode ser feito usando lâmpadas incandescentes ou aquecedores de aquário (para pequenas incubadoras) ou aquecedores de ambientes para salas de incubação maiores. Incubadoras feitas com recipientes fechados devem ser abertas pelo menos uma ou duas vezes por dia para que o ar se renove, lembrando que os frascos possuem filtros para que o excesso de CO2 produzido pelo fungo saia do pote. Caso o CO2 saia e fique preso dentro da incubadora, o filtro de nada servirá, tendo em vista que o CO2 ficará aprisionado dentro da incubadora. 

EM BREVE FOTOS DE INCUBADORAS

Armazenamento da "semente"

Uma vez colonizada, a "semente" pode ser armazenada por um curto período de tempo antes de ocorrer uma queda na sua viabilidade. A medida que a "semente" envelhece os nutrientes contidos nos grãos vão acabando, o que diminui a taxa de crescimento do fungo. Além disso os restos metabólicos, incluindo os líquidos secretados pelo micélio, se acumulam, o que prejudica mais ainda o fungo. Com a queda da vitalidade o micélio perde sua capacidade de se defender contra vírus, bactérias e bolores, o que pode prejudicar o cultivo caso essa "semente" seja utilizada nos passos seguintes. Uma "semente" pode permanecer ótima aos 30 dias de idade mas não ter nem metade do seu vigor aos 60 dias de idade. A "semente" deve ser utilizada no seu pico de vigor, mas caso você não pretende utilizá-la dentro do prazo a única opção que resta é armazená-la sob refrigeração. A "semente" pode ser refrigerada por várias semanas em uma temperatura de não menos que 4'C, o que reduz o seu metabolismo, temperatura em que geladeiras domésticas chegam. Muito cuidado ao armazenar qualquer material utilizado no cultivo de cogumelos na geladeira de casa, junto com alimentos e coisas do tipo, pois estes estão cheios de esporos de mofos e bactérias. A própria geladeira doméstica é lar de diversos tipos de micro-organismos. Caso opte por armazenar na geladeira de casa, certifique-se de guardar o material em um ziplock, saco hermético ou pote com tampa. 

Outro fator importante a ser considerado é a temperatura que o micélio da espécie que você deseja armazenar aguenta. Algumas espécies de cogumelos (de clima quente) não suportam temperaturas baixas, como o Calocybe indica ou o Volvariella volvacea, por exemplo. Já outros cogumelos de temperaturas frias iniciam a frutificação quando passam por uma diminuição de temperatura, como por exemplo o Pleurotus columbinus, que ao ser colocado na geladeira começa a produzir os cogumelos.

EM CONSTRUÇÃO

Fabricação da "semente" em serragem

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